quinta-feira, 30 de março de 2017

O Poderoso Chefão


   É com imensurável prazer que compartilho um texto que reencontrei em meu acervo. Trata-se de um músico que admiro muito, John Leslie Wes Montgomery.

   O artigo já inicia com um título da pesada: O PODEROSO CHEFÃO, publicado pela revista Guitar Player em Setembro de 1998.
   Sem mais delongas, vamos a leitura.

   "A primeira vez que ouvi Wes Montgomery, foi como se eu tivesse sido atingido por um raio", escreveu o crítico Ralph L. Gleason em agosto de 1973. Um quarto de século mais tarde, nada mudou. Para escutar Wes, é melhor estar preparado. Colocando no mesmo pedestal onde estão Django Reinhardt, Charlie Christian, Charlie Parker, John Coltrane e Miles Davis.

   Com um incrível suingue, senso melódico apurado, sofisticação harmônica e sonoridade ímpar, Montgomery (1923-1968) mudou  a história da guitarra jazzística, influenciando músicos de todos os estilos, como: George Benson, Eric Johnson, Pat Martino, Pat Metheny, Jimi Hendrix entre inúmeros outros.
   

O Início


   Um polegar conquista o mundo!
   Wes nasceu em Indianápolis e foi um autodidata. Depois de abandonar o violão tenor de quatro cordas, que ganhara de seu irmão Monk, comprou uma guitarra de seis cordas quando tinha dezenove anos. Em oito meses, já estava no palco, tocando de cor tudo o que Charlie Christian tocara em "Solo Flight" - o lendário álbum de Benny Goodman.

   Depois de uma passagem pela banda de Lionel Hampton, em 1948, Montgomery passou alguns anos apurando seu estilo. De 1957 a 59, ele e seus irmãos - o pianista/vibrafonista Buddy e o baixista Monk - formaram o Mastersounds. 

   O grupo tocou bastante na área de Indianópolis, e até gravou vários discos de algum sucesso, mas as coisas só começaram mesmo a acontecer quando o guitarrista foi descoberto pelo produtor Orrin Keepnews.

Wes Montgomery, Cannonball
Adderley and Orrin Keepnews
   Seguindo uma sugestão do saxofonista Cannonball Adderley, Keepnews trouxe Wes para o selo Riverside, onde ele gravou em 1959 "The Wes Montgomery Trio". Tocando com grupos pequenos e dando ênfase aos improvisos, as gravações de Wes na Riverside foram enormes êxitos artísticos, aclamados pela crítica.

   Em 1961, Wes tocou no Monterey Jazz Festival - e numa série de outras gigs em São Francisco - como membro do grupo de John Coltrane, que reunia nada menos que McCoy Tyner, Eric Dolphy e Elvin Jones. Infelizmente, não há qualquer gravação deste time conhecida.
   

Caindo no Pop


   Apesar do entusiasmo dos críticos, os discos de Wes não vendiam lá grande coisa. Quando a Riverside fechou, em 1964, Montgomery passou quatro anos produzindo música mais acessível, com uma série de álbuns super orquestrados gravados para a Verve e a A&M. O sucesso teve seu preço: assim que suas linhas oitavadas começaram a voar nas ondas do rádio, com versões instrumentais de sucessos como "Tequila", "California Dreaming", "Going Out of My Herd" ou "A Day in The Life", a crítica de jazz não perdoou e foi arrasadora.

   Não eram maus discos - tudo o que Wes produziu tem mérito artístico -, mas em geral todos reconhecem que o seu período mais criativo foram os anos na Riverside (1959/64). Todo o catálogo da Riverside (comprado pela Fantasy) foi relançado em CD. Ouça qualquer uma das faixas, e você vai perceber que cada frase é um estudo de senso melódico e groove.

Estilo


   Apesar de ser um músico sem formação teórica (sentia-se inseguro nesse sentido), Wes era absolutamente fluente na linguagem jazzística e conseguiu criar uma música fantástica. Nenhuma platéia jamais percebeu qualquer insegurança. Com seus sorrisos no palco, ele parecia tão seguro e relaxado como se estivesse comendo um sanduíche de salaminho.

   Apesar de sua falta de estudo formal, seus caminhos melódicos e harmônicos o colocaram anos luz à frente de seus contemporâneos. Ele passeava por standards, clássicos do be-bop e baladas com a tranquilidade, mas o blues era a base de seu estilo. Aventurando-se muito além dos três acordes tradicionais do gênero, ele compôs inúmeros blues, numa grande variedade de estilos e ritmos, muitos dos quais apresentavam incríveis mudanças entre a primeira e segunda partes.

   Os solos de Wes seguiam muitas vezes uma fórmula com três níveis de pegada: primeiro alguns choruses com linhas normais (single notes); em seguida, oitavas; e então o clímax, com um solo matador feito com acordes. Cada mudança de técnica injeta mais energia no solo.


Revista Guitar Player, Setembro/1998;
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