quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Juventude de Chet Baker


 Quem o viu iniciar a carreira na cena do jazz, acompanhando ninguém menos do que o gênio do bebop, charlie Parker, em 1952, não imaginaria que aquele trompetista com pinta de galã seria o protagonista de uma história tão trágica.
 Décadas apos sua morte, o carisma musical de Chet Baker permanece vivo em suas gravações. Expoente da geração do coll jazz (West Coast jazz), apoiado na típica sonoridade sem vigrato de seu trompete, Baker também conquistou muitos fãs como cantor. Seus vocais suaves e contidos, quase sussurrados, chegaram até influenciar músicos brasileiros, como os tropicalistas Caetano Veloso e Gal Costa ou vários adeptos da bossa nova.

 Nascido em Yale, em uma modesta comunidade agrícola, no estado de Oklahoma, na mesma fazenda que Vera, sua mãe, nascera. Chesney Baker, o pai, era um músico frustrado. Durante alguns anos conseguiu realizar seu sonho de tocar violão e banjo, em bandas de country, mas depois que a recessão econômica se instalou com a crise de 1929, ele foi obrigado a trocar a música, e as constantes viagens com suas bandas, por qualquer trabalho manual que pudesse garantir a sobrevivência da família.

 O garoto mal tinha completado um ano de idade quando os Bakers mudaram para Oklahoma City, em busca de novas possibilidades de trabalho. Apesar de ter passado quase toda a infância nessa cidade, Chet jamais se referiu a ela com qualquer sinal de afeição ou nostalgia. "Oklahoma é uma lata de lixo cultura", dizia, referindo-se ao fato de os habitantes da cidade gostarem tanto de country, "omais terrível tipo de música do mundo", em sua opinião. Para seu alívio, a família mudou para Glendale, na Califórnia.

 Chet não se interessou por música até os 12 anos. Tinha muita habilidade para os esportes. Dedicava boa parte do seu tempo livre à natação, ao basquetebol ou à corrida. Mas também gostava de cantar junto com o rádio, para deleite da mãe. Como tinha um prazer especial em exibir a beleza do filho, Vera o levava a concursos de talentos infantis.
 Nessas competições, Chet enfrentava acordeonistas ou sapateadores (todos acompanhados pelas orgulhosas mães), cantando um repertório pouco adequado para sua idade: canções sensuais capazes de fazer tanto garotas como senhoras bem maduras suspirarem ao ouví-las. Por isso, talvez, o garoto jamais venceu qualquer um desses concursos. Só chegou ao segundo lugar, uma vez. 

 Diana Vevra, última mulher de Chet, alfinetando a ex-sogra, contou ao biógrafo James Gavin que foi a própria Vera que ensinou ao filho essas canções de conteúdo erótico. 

 Chet participava desses concursos mais para alegrar a mãe. Não gostou nada quando foi chamado de "maricas" por algumas crianças concorrentes, que o gozaram porque sua voz aguda ainda lembrava a de uma garota.

 Já o pai de Chet estava longe de apreciar os vocais meio femininos do filho. Talvez por isso tenha decidido, num impulso, lhe dar um trombone de vara, sem pensar que, aos 12 anos, o garoto ainda não crescera o suficiente para tocar um instrumento tão grande. Chesney ficou decepcionado por ter que trocá-lo por um trompete.  Gostava de jazz tradicional, em especial do trombonista Jack Teagarden. Pelo conseguiu que o filho se interessasse pelo instrumento: deois de algumas semanas, o esperto Chet já conseguia acompanhar com seu trompete uma gravação de Two O'Clock Jump, com a orquestra de Harry James.

 Meses depois, um acidente demonstrou a perseverança do garoto. Chet estava tocando se trompete na rua quando foi atingido acidentalmente por uma pedra. Não bastasse a dor que sentiu por causa do dente frontal quebrado, o garoto ainda teve que aguentar a irritação do pai, gritando que, sem aquele dente, ele não poderia mais tocar.

 Chet não levou a sério o escarcéu do pai. Sem se preocupar com o fato de que a ausência do dente frontal dificultaria bastante o controle de ar, continuou praticando o trompete com muito afinco até encontrar um novo jeito de extrair o som do instrumento. O único problema é que não conseguia mais alcançar as notas agudas, só as médias, mas acabou se convencendo de que sons agudos serviam apenas para os músicos exibicionistas chamarem a atenção do público.


 Vera até providenciou um dente postiço para cobrir a falha na boca do filho, mas ele raramente o usava, talvez por orgulho ou por receio de que o dente falso caísse na frente de alguém. Chet preferiu adotar o hábito de esconder a falha nos dentes, mantendo os lábios fechados quando estava em público. Vinha daí o sorriso enigmático das inúmeras fotos para as quais posou já adulto.

 Antes de completar 17 anos, Chet alistou-se no exército, assumindo a estante e primeiro trompete na banda do exército.

 Dois anos mais tarde, em 1948, se desligou do serviço militar, convertendo sua atenção à modernidade do bebop. Seus ídolos eram fats Navarro, Red Rodney e principalmente, Miles Davis. Como os trabalhos para civis eram escassos naquele período, acabou voltando para o exército em 1950. Tocava o dia inteiro com a banda do exército, e nas madrugadas frequentava os clubes de jazz. Após um ano, já não aguentando mais a disciplina militar, tentou cair fora, mas se deu mal: como castigo, foi transferido para a fronteira do México. Alguns meses depois, sem perspectivas, desertou.
 Mudou para o sul da Califórnia com sua primeira mulher, sem boas oportunidades de emprego, em abril de 1952, um telegrama mudou sua vida. O grande ídolo do bebop, Charlie "Bird" Parker estava em Los Angeles a procura de um trompetista para acompanhá-lo em uma temporada de shows pela região.
 Chet conseguiu o emprego, mais tarde, apesar de suas limitações, sendo apontado por Parker como um músico "puro e simples". Da noite para o dia, se tornou uma nova referência na cena do jazz.
 

fonte                                                                                  
Coleção Folha Clássicos do Jazz, volume 7.