sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Ela é Ella.

   Seu nome não podia ser mais apropriado: Ella. Uma voz como essa, com todas as suas metamorfoses para cima e para baixo de quase três oitavas, escapa a qualquer definição. Quando se trata de cantoras do mundo jazzístico, raros são os ouvintes que não se rendem a alegria e elegância de Ella Jane Fitzgerald.
   Os instrumentistas apreciavam sua criatividade em improvisos vocais; os compositores sentiam que na voz da cantora, suas músicas ganhavam outras dimensões. Nos quase sessenta anos de carreira profissional, Ella conquistou fãs diversos. 
   Com uma voz doce, quase juvenil, ampla extensão vocal, além da afinação e dicção perfeitas, Ella Fitzgerald foi, provavelmente, a mais completa cantora da cena do jazz.
   Tímida em excesso, evitava entrevistas ou qualquer outro tipo de situação que expusesse ao público sua vida particular. Nem o reconhecimento dos críticos ou o sucesso comercial pareciam convencê-la de que era uma grande artista. Em seus últimos anos de vida, ao receber o título de doutora honoraria da prestigiosa Universidade de Yale, comentou com a costumeira modéstia: "Nada mal para quem só estudou música o suficiente para não ser reprovada no colégio".
   Ella Jane Fitzgerald nasceu em 25 de abril de 1917, em Newport News. Seu pai fugiu de casa, deixando a mãe e a menina com ainda três anos. Um ano mais tarde, a mãe se uniu a Joseph da Silva, português da primeira geração de imigrantes.
   Em 1932, após a morte de sua mãe, Ella foi morar com uma tia, não permanecendo por muito tempo por não se acertar com a mesma. Enviada para um reformatório em Nova York, fugiu. Foi então, morar na rua.
   Em 1934, Fitzgerald, fanática por dança desde criança (até mais do que pelo canto), chegou entre os finalistas da "Noite de Amadores do lendário Apollo Theater", mas sentindo-se insegura para a disputa,  dois dias antes da final resolveu concorrer como cantora.
   A facilidade que tinha para personificar outros cantores a ajudou, e para sua surpresa, a platéia quase veio abaixo ao ouvi-la cantar. Saiu vencedora, contudo, não chegou a receber o prêmio de uma semana de apresentações remuneradas no Apollo Theater  por estar mal ajambrada (afinal, não tinha residencia fixa). O motivo? A direção do teatro não quis correr o risco de ver a imagem arranhada frente aos astros do cinema e do rádio frequentadores do local.
   Dois meses depois ganhou outro concurso semelhante e recebeu o prêmio. Porém a cantora não viu a cor do dinheiro. O motivo? Como Fitzgerald não tinha um vestido apropriado para a ocasião, o diretor da casa comprou um e debitou do seu cachê.
   A precária aparência da garota não estava favorecendo para que conseguisse trabalhos fixos, contudo a repercussão de suas vitórias nos concursos começou a agir a seu favor, e, em março de 1935, foi convocada para uma audição informal com uma das big bands mais populares do Harlem, a do baterista Chick Webb.
   Mesmo depois de ouvir Fitzgerald cantar e de alguns músicos o aconselharem a seguir os ouvidos e não os olhos, Chick Webb relutou dizendo com descaso: "não quero essa coisa feia".
   O engraçado é que Webb também estava muito longe de qualquer padrão de beleza. Parecia um anão de ombros largos devido a uma tuberculose contraída na infância. Contudo, o baterista e band leader cedeu as opiniões dos colegas, e aceitou Ella Fitzgerald como vocalista. Chick Webb ganhou muito mais do que imaginou, pois a cantora foi a grande responsável para que a big band frequentasse as paradas de sucesso pela primeira vez com a gravação de Sing Me a Swing Song (and Let Me Dance). A garota de Yonkers começou a voar alto desde então.
   Com apenas dois anos de carreira, Ella foi eleita simultaneamente por duas revistas americanas especializadas em Jazz, a melhor vocalista de 1937. A canção "A-Tisket, A-Tasket" permaneceu em primeiro lugar nas paradas de sucesso por mais de 17 semanas e em 1950 já tinha vendido cerca de um milhão de cópias nos EUA. 
   "Sei que não sou uma garota glamourosa. Não é fácil, para mim, ficar na frente de uma multidão. Isso me incomodava bastante, mas percebi que Deus me deu esse talento para usá-lo, então eu fico lá e canto" (Ella Fitzgerald).
   Chick Webb morre em 1939 e a cantora permaneceu no grupo até 1942, quando sentiu a necessidade de seguir sozinha seus vôos.
   Em sua carreira, Ella Fitzgerald gravou e se aprensentou com artistas da pesada. Entre eles: Louis Armstrong (um de seus ídolos), Louis Jordan, The Delta Rhythim Boys, Ray Brown (ex-marido), The Mills Brothers e Sy Oliver, Dizzy Gillespie, Lester Young, Coleman Hawkins, Ben Webster, Benny Carter, Roy Eldridge, Illinoys Jacquet, Oscar Peterson,  Gene Krupa, Buddy Rich, Charlie Parker, Max Roach, Frank Sinatra, Count Basie, Duke Ellington, Joe Pass, entre outros.
   Amante dos palcos, Ella Jane Fitzgerald dizia:  "a única coisa melhor do que cantar, é cantar".




Coleção Folha Clássicos do Jazz (Folha de são Paulo);
Notas Musicais: Do Barroco ao Jazz (Publifolha);