

Enfrentando o preconceito por ser mulher, negra, de origem humilde e sambista, Dona Ivone está entre as principais compositoras do samba nacional, tendo migrado também para a MPB, com composições consagradas nas vozes de diversos artistas, entre elas Sonho Meu, cantada por Maria Bethânia.
Rompendo paradigmas em um território tradicionalmente masculino, essa mulher compositora, negra e pobre galgou os caminhos tortuosos da vida, dividindo-se entre a carreira profissional e a família até se embrenhar no mundo artístico, deixando para sempre seu nome gravado na história do samba e da MPB.
Nasce Uma Estrela
Em meio às transformações urbanas e sociais que o Rio de Janeiro sofria, nascia aos 13 dias de abril de 1921, no bairro de Botafogo, Yvonne Lara da Costa, filha de João da Silva Lara, violonista e componente do "Bloco dos Africanos", e Emerentina Bento da Silva, cantora do rancho "Flor de Abacate".
Essa história começa bem antes de uma câmera fotográfica focar pela primeira vez nossa personagem, que diz não ter fotos de sua infância, mas falava sobre o período, com o tom de voz sempre sereno e conformado, da precoce perda do pai de quem não tinha lembranças, já que ele, devido a um acidente, faleceu aos 27 anos, quando ela ainda tinha somente três anos; e de sua mãe, vítima de uma pneumonia, aos 33, quando Ivone ainda não atingira a adolescência.
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Ivone com colegas do Colégio Orsina |

Após sair do Internato, Ivone foi morar com o tio, Dionísio Bento da Silva, que não oferecia em sua casa a mesma serenidade e delimitação de espaço do Colégio Orsina, mas abriu as portas para o desenvolvimento de seu talento, ao conviver com bambas da música negra que surgia, já que a casa era frequentada por amigos do tio, como Jacob do Bandolim, Pixinguinha, entre outros nomes conhecidos no mundo do samba. Além dos elogios das professoras e dos contatos com sambistas de destaque, o samba estava no sangue de Ivone, pois seu tio Dionísio era pai de Hélio dos Santos, o "Tio Hélio"; e de Antônio dos Santos, o Mestre Fuleiro, primos da menina e parceiros por toda a vida.
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Momento no Hospital Engenho de Dentro |
Ao entrar de cabeça exclusivamente na carreira artística, Dona Ivone manteve a postura e o respeito diante de seu público, tendo muito cuidado com a aparência, lições aprendidas com as cantoras do rádio, que tanto admirava. Sob os refletores, dançava jongo e cantava seus sambas.
Entre os intérpretes que gravaram suas composições destacam-se Clara Nunes, Roberto Ribeiro, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paula Toller, Paulinho da Viola, Beth Carvalho, Mariene de Castro, Roberta Sá e Dorina, entre outros.
Musicalidade na Veia
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Nelson Cavaquinho, Beth Carvalho, Cartola e Ivone |
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Bethânia, Ivone e Gal Costa |
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Délcio Carvalho e Ivone Lara |
Com inúmeros sucessos e diversos parceiros musicais ao longo da vida, com destaque para Délcio Carvalho, aquele com quem mais fez músicas, e que foram interpretadas por vários artistas - e continuarão sendo. Entre as principais composições estão: Acreditar, Candeeiro de vovó, Enredo do meu samba, Minha verdade, Nasci pra cantar e sonhar, Os Cinco Bailes da História do Rio, Sonho meu, Sorriso negro, Tié, entre muitas outras.
Dona Ivone cantou e encantou gerações de apreciadores do bom samba, pois parafraseando Zélia Duncan: "Dona Ivone Lara é um sonho meu, um sonho seu, nosso melhor sonho, pois ela é real".
Já com aparições públicas rareadas devido ao avançar da idade, Dona Ivone descansou, aos 16 dias de abril de 2018, aos 97 anos recém completados, deixando um vasto legado para as futuras gerações.
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Gisa Nogueira, Ivone e Leci Brandão |
Já com aparições públicas rareadas devido ao avançar da idade, Dona Ivone descansou, aos 16 dias de abril de 2018, aos 97 anos recém completados, deixando um vasto legado para as futuras gerações.
Escrito por Aristides Leo Pardo em: Leituras da História (edição 114) - Editora Escala;