A música deve muito a um compositor chamado Victor Herbert (1859~1924). De suas operetas, anteriores à Primeira Guerra, saíram valsas que seduziram duas ou três gerações, como "Ah, Sweet Mystery of Life" e "Sweethearts".
Mas seus colegas, os compositores, lhe devem ainda mais. Foi por causa dele que passaram a receber pelo uso de sua obra fora do palco.
Aconteceu em 1913, quando Herbert almoçava no Shanley's, restaurante de luxo em Nova York. Enquanto ele comia, a orquestra da casa tocava suas valsas. Depois de pagar a conta, perguntou ao gerente se a música atraía muitos clientes e se estava embutida nos preços cobrados pela casa. Ao ouvir que sim e que o restaurante não precisava pagar por aquilo, Herbert processou o Shanley's.
Custou quatro anos, mas ganhou a causa e firmou uma jurisprudência, que levou à criação, nos EUA, de uma sociedade obrigando o pagamento de direitos autorais pelo uso de música em restaurantes, hotéis e similares. Tal medida foi adotada em toda parte e, no Brasil, sua aplicação tem cabido historicamente ao Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição).
Nesses nossos tempos de perseguição de pessoas decentes por canalhas, deputados federais aliados do lobby hoteleiro tentaram aprovar em regime de urgência um projeto para livrar os hotéis desse pagamento. O argumento é o de que os hotéis estão quebrados com a pandemia. Donde a solução é privar de rendimento os 383 mil músicos filiados ao Ecad, 99% dos quais estão sem emprego e sem trabalho pela mesma pandemia, e dependendo dos R$ 0,35 ou R$ 0,60 que recebem quando sua música é ouvida num quarto de hotel. Se um compositor tiver muitos sucessos na carreira, talvez fature R$ 500 por mês.
Neste momento, há músicos rifando seus instrumentos para se livrarem do despejo. Se forem postos na rua, os hotéis não os acolheram de graça. Mas querem tocar sua música - de graça.
Folha de São Paulo (12/dez/2020) por Ruy Castro